Correio Popular Notícia



Estupremo-nos?
* Helder Caldeira Há seis meses assistimos um levante do público nas redes sociais no debate sobre um suposto comportamento politicamente incorreto do humorista Rafinha Bastos ao afirmar que ?comeria? a cantora Wanessa e seu bebê. A querela foi gigantesca e motivou protestos de toda espécie acusando o então apresentador do CQC da Rede Bandeirantes de ter feito uma piada extremamente ofensiva e grave sobre estupro. O assunto ganhou as manchetes e, da polícia a ministros de Estado, todos entraram no caso querendo uma lasquinha de fama e pedindo a cabeça ?criminosa? do âncora do humorístico. Gente, aquilo foi uma piada! Uma piada ruim, óbvio. Mas foi só uma piada! Não adiantou: o sacrossanto politicamente correto queria sangue! E teve: Rafinha perdeu seu emprego na Band. Estupro? Isso é um crime hediondo, pavoroso e tão nojento que as pessoas preferem nem tocar no assunto, ainda que com a galhardia própria dos profissionais do humor. É o que reza da cartilha da maioria. Pois bem, a vida vai e volta e cá estamos novamente atolados no debate sobre a suposta violência sexual sofrida por uma participante da 12ª edição do Big Brother Brasil diante das câmeras da Rede Globo. Pior que isso: o coito sem consentimento teria como cúmplices as dezenas de profissionais da maior emissora de TV que registram, editam e manipulam todas as cenas da casa mais vigiada do país. Isso não foi uma piadinha como no caso do Rafinha! O que aconteceu foi algo gravíssimo. Mas já virou piada! No entanto, o que aconteceu é sério e pode nos servir às reflexões da sociedade que estamos construindo. Num oferecimento da Fiat, da cerveja Devassa, do sabão em pó Omo, do Guaraná Antarctica e dos produtos capilares Niely Gold, patrocinadores exclusivos do programa, foi possível assistir, ao vivo, cenas de um suposto estupro. Quando pouco, imagens de uma relação sexual onde uma das partes afirmou estar inconsciente. Não há mais dúvidas quanto a isso, nem da própria direção do BBB 12 e da Rede Globo, que expulsaram o participante Daniel ?depois de uma avaliação criteriosa? e ?entender que o comportamento foi motivo de eliminação?. Para o bem da verdade, a produção do programa global só tomou essa decisão depois que a Polícia abriu um inquérito criminal e da ministra Iriny Lopes (PT-ES), secretária especial de Políticas para as Mulheres, ter enviado ao Ministério Público do Rio de Janeiro um pedido de tomada de providências cabíveis. Até então, tudo não passava de uma explosão midiática nas redes sociais, bastante conveniente para alavancar a audiência do Big Brother Brasil, que apresenta o pior nível de participantes em seus 12 anos de história. Não fosse a manifestação das autoridades, o caso ficaria no campo das especulações e das piadinhas. Pertinente é a reflexão do que vem acontecendo com a produção da grade de programas das emissoras de TV aberta nas últimas duas décadas. A qualidade e nível seguem ladeira abaixo, recebendo patrocínios milionários de marcas tradicionalíssimas como Fiat, Omo e Guaraná Antarctica. E que ninguém seja hipócrita: a culpa é toda nossa! Somos nós, os telespectadores, quem ditamos a programação. É a nossa audiência quem dita a essência e as características do que as emissoras estão produzindo. Somos nós que continuamos consumindo os produtos de empresas que insistem vincular suas marcas a qualquer porcaria. É o volume do nosso consumo quem as financia. Considerando o fato de que o espectador brasileiro tem pouquíssima cultura e escasso conteúdo, programas ininteligíveis são os destinos naturais. Poderia ser diferente, mas não é. Não há dúvidas que uma audiência qualificada promove programas melhores. Quanto maior a cultura do cidadão, maiores serão as exigências por melhores produtos e serviços. Podemos, inclusive, ir um pouco mais fundo no debate. No sábado, a produção do BBB 12 brindou os participantes com um enorme volume de bebidas alcoólicas. Brothers e Sisters bêbados fazem o espetáculo para a audiência, dão show. São estimulados a isso. Por contraditório, no dia seguinte a emissora exibiu no dominical Fantástico uma denúncia sobre o excessivo consumo de álcool no interior do Brasil e todas as tragédias humanas que as bebedeiras provocam, sem qualquer fiscalização ou controle. Após a última polêmica sexual, bem tuitou Rafinha Bastos: ?Seis meses depois: piadas de estupro estão na boca do povo. Tem algo errado aí, hein?! Cheguei cedo, é isso?!? Ao que parece, sim, meu caro Rafinha! Com tantas variáveis, politicamente corretas ou incorretas, fica difícil dizer onde vamos chegar em termos de cumplicidade com a baixaria, com a bandalheira e até com os crimes. Que tal comer uns aos outros, como os antropofágicos modernistas? Estupremo-nos. *Helder Caldeira é escritor, jornalista e autor do livro ?A 1ª PRESIDENTA?, primeira obra publicada no Brasil com a análise da trajetória da presidente Dilma Rousseff. ...


Compartilhe com seus amigos:
 




www.correiopopular.com.br
é uma publicação pertencente à EMPRESA JORNALÍSTICA CP DE RONDÔNIA LTDA
2016 - Todos os direitos reservados
Contatos: redacao@correiopopular.net - comercial@correiopopular.com.br - cpredacao@uol.com.br
Telefone: 69-3421-6853.